sábado, 28 de julho de 2012

A MULHER MADURA

http://affonsoromano.com.br/blog/
A MULHER MADURA


Affonso Romano de Sant'Anna

O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

DE REPENTE, CLASSE C


Leandro Machado
De repente, classe C
Sou ex-pobre. Todos querem me vender geladeira agora. O trem ainda quebra todo dia, o bairro alaga. Mas na TV até trocaram um jornalista para me agradar
Eu me considerava um rapaz razoavelmente feliz até descobrir que não sou mais pobre e que agora faço parte da classe C.
Com a informação, percebi aos poucos que eu e minha nova classe somos as celebridades do momento. Todo mundo fala de nós e, claro, quer nos atingir de alguma forma.
Há empresas, publicações, planos de
marketing e institutos de pesquisa exclusivamente dedicados a investigar as minhas preferências: se gosto de azul ou vermelho, batata ou tomate e se meus filmes favoritos são do Van Damme ou do Steven Seagal.
(Aliás, filmes dublados, por favor! Afinal, eu, como todos os membros da classe C, aparentemente tenho sérias dificuldades para ler com rapidez essas malditas legendas.)
A televisão também estudou minha nova classe e, por isso, mudou seus planos: além do aumento dos programas que relatam crimes bizarros (supostamente gosto disso), as telenovelas agora têm empregadas domésticas como protagonistas, cabeleireiras como musas e até mesmo personagens ricos que moram em bairros mais ou menos como o meu.
A diferença é que nesses bairros, os da novela, não há ônibus que demoram duas horas para passar nem buracos na rua.
Um telejornal famoso até trocou seu antigo apresentador, um homem fino e especialista em vinhos, por um âncora, digamos, mais povão, do tipo que fala alto e gosta de samba. Um sujeito mais parecido comigo, talvez. Deve estar lá para chamar a minha atenção com mais facilidade.
As empresas viram a luz em cima da minha cabeça e decidiram que minha classe é seu novo alvo de consumo. Antes, quando eu era pobre, de certo modo não existia para elas. Quer dizer, talvez existisse, mas não tinha nome nem capital razoável.
De modo que agora elas querem me vender carros, geladeiras de inox, engenhocas eletrônicas, planos de saúde e TV por assinatura. Tudo em parcelas a perder de vista e com redução do IPI.
E as universidades privadas, então, pipocam por São Paulo. Os
cursos custam R$ 200 reais ao mês, e isso se eu não quiser pagar menos, estudando à distância.
Assim como toda pasta de dente é a mais recomendada entre os dentistas, essas universidades estão sempre entre as mais indicadas pelo Ministério da Educação, como elas mesmas alardeiam. Se é verdade ou não, quem pode saber?
E se eu não acreditar na educação privada, posso tentar uma universidade pública, evidentemente. Foi o que fiz: passei numa federal, fiz a matrícula e agora estou em greve porque o campus cai aos pedaços. Não tenho nem sala de aula.
Não que eu não esteja feliz com meu novo status de consumidor, não deve ser isso. (Agora mesmo escrevo em um notebook, minha
TV tem cem canais de esporte e minha mãe prepara a comida num fogão novo; se isso não for felicidade, do que se trata, então?)
O problema é que me esforço, juro, mas o ceticismo ainda é minha perdição: levo 2h30 para chegar ao trabalho porque o trem quebra todos os dias, meu plano de saúde não cobre minha doença no intestino e morro de medo das enchentes do bairro.
Ou seja, ao mesmo tempo em que todos querem me atingir por meu razoável poder de consumo, passo por perrengues do século passado. Eu e mais de 30 milhões de pessoas -não somos pobres, mas classe C.
Deixa eu terminar por aqui o texto, porque daqui a pouco vão me chamar de chato ou, pior, de comunista. Logo eu, que só li Marx na versão resumida em quadrinhos. Fazer o quê, se eu gosto é de autoajuda?
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
debates@uol.com.br
LEANDRO MACHADO, 23, é estudante de letras na Universidade Federal de São Paulo, mora em Ferraz de Vasconcelos (SP) e escreve no blog Mural, da Folha

quinta-feira, 26 de julho de 2012

HORÁRIO POLÍTICO





Há quem goste!

Mas os motivos para não gostar, são muitos: cartinhas impessoais, telefonemas de quem nunca foi amigo - dos amigos, eu perdoo.
-."Santinhos"
 por quem
não temos devoção nenhuma, programas de TV em horário nobre, chatos e longos, propaganda nas paradas dos sinais de trânsito, auto-falantes  nas ruas da cidade, enfim, mil chatices!
Mas não dá para fugir deles.Temos de utilizar a mão única que nos oferece a democracia e a lei eleitoral para avivar nossa memória dos erros cometidos na eleição anterior. Temos de tentar melhorar.

Se você é um eleitor que não cobra promessas, que não reage diante dos evidentes exemplos de desonestidade pública, então não assinta aos programas políticos e a voz da razão, depois aguente os trens da alegria,  desvios de verbas, notórios enriquecimentos e não se irrite com o festival de algemas dos notáveis, que agora é proibido: só para assassinos e ladrões em fuga para o exterior. Aí pode!

Mas eu prefiro assistir aos programas políticos  para poder xingar depois, cobrar dos responsáveis por promessas mentirosas. Com e-mails, a coisa ficou bem mais fácil.  Poder xingar é o único  direito que nos sobra, já que outra coisa - cadeia , por exemplo, nem pensar, porque a justiça brasileira está  cheia de recursos onde podem se esconder nossos vilões.

 E viva o "prende e solta" nacional.





terça-feira, 24 de julho de 2012

MINHA SANTA CATARINA


         SANTA CATARINA



É como nascer dos mares...

As ondas do verão te afagam,

                               te descobrem,

e o mar te faz morena.

E, serena,

Tu cresces montes e serras

para o batismo da terra:

- Inverno puro, ofuscante,

mistério branco da neve!



Minha Santa Catarina!

Terra de heróis e de Santa,

Terra de Santa Mulher.

Que outro Estado ostenta

paisagem tão opulenta?

neve e geada no inverno,

 praias e sol no verão?



Minha Santa Catarina!

Ricos os rios, farta a colheita,

a mata densa e a terra vigorosa! 

Meu sangue há de aquecer-te o chão,

quando a chuva encharcar campos e casas!

E o suor da tua gente há de regar-te a terra

quando o sol ressecar-te a plantação.



Minha Santa Catarina,

quero-te heróica como teus heróis,

 na defesa de todos os limites,

- guerreiros vigilantes!

Quero-te forte como as fortes raças

na miscigenação dos filhos teus

- valentes imigrantes!



Teu povo há de cantar-te a glória,

no verde-rubro da tua Bandeira!

 Teu povo há de honrar-te a história,

passado vivo de gente guerreira!

E brilharás fagueira, generosa e nobre

na tocha intensa do amor que ilumina,

 quase noventa e seis mil quilômetros quadrados

das tuas terras, Santa Catarina!


Joinville

Mila Ramos




quinta-feira, 19 de julho de 2012

UM ANO NOVO QUALQUER


Meu ano novo ainda não começou.

Afinal, eu posso começá-lo em qualquer tempo,

  - pois que o desejo bom.

Vou esperar que passem os sufocos

  - e os bem poucos

 instantes de surpresa.



Quero a leveza que envolve a paz.

Vou-me deixar ficar, vou fazer tempo

 para que as manchas de vinho do ano velho

 desbotem um pouco mais

  - nem de menos, nem de mais _



Vou esperar que as lembranças menos boas

escorram do telhado na força das trovoadas.

Vou aguardar meu ano bom

em qualquer dias desses,

dia de dias iguais,

de noites bem caladas,

- um dia à toa, simples, sem vermelho na folhinha.

Um desses dias iguais,

porque meu ano novo  terá de ser comum

 _ nem de menos, nem de mais _

pra me fazer feliz.

terça-feira, 17 de julho de 2012

PÉ GELADO


Pé gelado é doença do sul ...

A bem dizer, epidemia de inverno,

cíclica, dolorida,

embaçada e branca.

Respiração ofegante,

mãos esfregadas na solidão de mãos iguais...

Ruas compridas e mortas,

postes solitários e luzes tiritantes,

céu profundo e promessa de geada...

Pé gelado, desconforto,

dor do só,

sintomas evidentes

de ausências e saudades nos invernos do sul..

São Joaquim, SC.




segunda-feira, 16 de julho de 2012

SILBERFLUSS






Um verdadeiro abre-alas de cores e flores!

Começa já no trevo de Pirabeiraba, onde você deve entrar, em direção ao Rio da Prata. Uma paisagem incrível, um tipo de cartão postal: a casa antiga rodeada de varandas com vasos de gerânios floridos, sempre pintada de novo: a primeira de uma série de muitas outras de enxaimel, que tem uma característica marcante: um jardim cuidado com muitas flores, o gramado impondo um fundo verde, os mais lindos pés de quaresmeira rosa ou roxa.

Se você tiver sorte ou chegar até na época da floração, ficará extasiado.

RIO DA PRATA: o tom da esperança muito verde, pastagem farta ponteada de gado gordo, galinha cacarejando no terreiro, a horta.

No fundo, as laranjeiras, o bananal, as goiabeiras, uma touceira de cana, a criação de marrecos. Esta não poderia faltar.

Afinal, é ali que acontece, todos os anos, a Festa do Colono, em julho. A sexta-feira que inaugura a festa, vem com “Schwarsauer”, a sopa preta feita de sangue de marreco, um prato quente, saboroso e forte.

Sábado é dia de baile e da eleição da Rainha da Festa, comunidade enfeitando o clube e se enfeitando.

Lá, um espetáculo que você não verá em nenhuma parte do mundo: todo o teto do salão de festas é recoberto com frutas e verduras produzidas na região, as quais, no final da festa, oferecem um quadro inusitado: o instante do pulo. Quem mais pula, mais leva!

E você se arrisca a ter de carregar, na saída do baile, um enorme cacho de banana prata ou caturra, os maiores repolhos, as mais brancas couves-flores, pencas e pencas de vermelhas beterrabas, laranjas e tangerinas e todo  o choop que você conseguir beber.

Domingo, a festa continua! A dança do Silberfluss, a Feira da Colônia: o melhor melado de cana e a caninha curtida no mais respeitável tonel de carvalho, lingüiças e carnes defumadas feitas em casa, e mais todas as frutas e verduras que você não conseguiu levar do baile.

E os torneios de tiro, gente de olho firme no alvo, pulso retesado e pontaria certeira. O novo Rei do Tiro é coroado porque mais acertou.

Á tarde, a Colônia desfila: gente bonita de olho de céu e cabelo de sol, sorriso aberto no rosto rosado: são os colonos.

 Ao seu comando, tratores, máquinas e carroções ostentam riquezas da terra onde o Colono, o gigante que movimenta a economia rural e alimenta a cidade, revive, no folclore, a alegria do imigrante forte que aportou aqui.

RIO DA PRATA, SILBERFLUSS.

Tua festa de ar puro é pura cor de flor e mato.

Tem cheiro de coisa feita em casa, jeito de família rodeando a longa mesa de comida farta e fumegante. E quando a FESTA DO COLONO vem com a quaresmeira em flor, com seus jardins em orgia de cores, no pé da serra, com riacho cascateando e tudo, eu penso que se o paraíso existe, deve ser bem pertinho daqui.

terça-feira, 10 de julho de 2012

LUA GRÁVIDA

                               
Era uma lua grávida,

 tão grávida,

 tão  luminosamente grávida,

 que o meu coração começou

 a sentir

 dores de parto.




domingo, 8 de julho de 2012

ESPERANÇA PERDIDA



Não sei aonde buscar mais esperança...
Faz tempo que meu coração brasileiro anda disparando à toa, como se fosse menino malcriado, do morro , brincando de ser bandido com arma de verdade e que , se perguntado sobre o que quer ser quando crescer, responde: "Bandido!"
E é por absoluta falta de esperança!
Sua avó morreu cedo, vítima de bala perdida, sua mãe tem de trabalhar para comprar comida, seu pai tem de chefiar o bando ou ser chefiado por alguém que não pode aparecer porque tem “um nome a zelar”. O jeito é ir treinando a pontaria para ver se, num dia próximo, consegue um lugar “ao sol”, mata alguém que dá manchete, passa a ser procurado pela polícia, ganha um apelido chinfrim e sobrenome de favela.
Pronto! Está com o futuro garantido nas prisões de segurança máxima, com cela individual, três refeições por dia, e direitos humanos defendidos por entidades internacionais, direito à escolta com segurança policial em vôos reservados, com muito, muito dinheiro rolando, e direito a nos encarar em fotos que contrariam seu humor.


História sempre curta de heróis assassinos: na grande maioria, morrem é mesmo cedo, na juventude extraviada nos cheiros e nas picadas , sobrando mãe sem carinho e pai sem exemplo.

E o Estado Brasileiro onde está, nesta guerra toda?

Onde está este PODER que não consegue manter ordem e disciplina nem dentro dos presídios, quanto mais nas ruas?
Nem lá, nas prisões, onde gastamos verdadeiras fortunas, conseguem impedir que nos seqüestrem - para que paguemos suas ligações e lhes passemos nossas verbas pessoais de sustentação ao crime super bem organizado.
Mais bem organizado do que o ESTADO BRASILEIRO.
Vergonha para os POLÍTICOS, para a JUSTIÇA, para os MILITARES, para a IGREJA.
Vergonha para mim.

Chorem, mães e pais, pelos seus mortos e por estes péssimos cidadãos que mandam na nação e não conseguem sequer cuidar dos presos, quanto mais de 200 milhões de pobres brasileiros expostos a bandidos e a autoridades sem competência.

O NOVO ESTADO BRASILEIRO

e não precisamos de mais deputados, senadores, nem de  metade desses ministros



Não sei aonde buscar mais esperança...

Faz tempo que meu coração brasileiro anda disparando à toa, como se fosse menino de morro malcriado, brincando de ser bandido com arma de verdade.

E é por absoluta falta de esperança! Buscar esperança aonde?
 Sem ter pai - nem se lembra mais dele, coitado!
 Sua avó deve ter morrido cedo, vítima de bala perdida, sua mãe tem de trabalhar para comprar comida e nosso herói sem afeto, precisa ajudar o bando e ser chefiado por alguém que não pode aparecer porque tem “um nome a zelar”.

O jeito é ir treinando a pontaria para ver se, num dia próximo, consegue um lugar “ao sol”: mata alguém que dá manchete, passa a ser procurado pela polícia, ganha um apelido chinfrim e sobrenome de favela.

Pronto! O moleque do morro está com o futuro garantido nas prisões de segurança máxima, com cela individual, três refeições por dia, direitos humanos defendidos por entidades internacionais, direito à escolta com segurança policial em vôos reservados, com muito dinheiro rolando e com direito a nos encarar em fotos que contrariam seus humores. Ah! Os valentões nunca baixam o nariz!

Essa é a história sempre curta de heróis assassinos: na maioria, morrem é mesmo cedo, na juventude dos cheiros e das picadas, sobrando mãe sem carinho e pai sem exemplo.

Este é mais ou menos o retrato dos meninos da favela dos grandes centros. Mas, infelizmente, nós estamos chegando lá: o número de homicídios aumenta a cada semana, em Joinville. No Brasil todo.

E o Estado Brasileiro onde está? Por que não consegue manter a ordem e a disciplina nem dentro dos presídios, quanto mais nas ruas? Nem lá, nas prisões, onde é investido nosso rico dinheirinho – sim, é claro que nós sustentamos os bandidos – nem lá, o Estado consegue impedir que matem e seqüestrem via celular: crime super bem organizado.

Mais bem organizado do que o Estado Brasileiro, pelo visto.

Vergonha para os políticos, para a Justiça, para a Polícia, para a Igreja e para quem deveria pensar mais por nós.

Vergonha para nós, cidadãos, que nada fazemos pelo direito de viver com o conforto conquistado com trabalho.

O que pagamos é pouco para encher os bolsos dos bandidos de colarinho branco e engomado pela cocaína.

A vergonha na cara é objeto de luxo em quem manda no cofre tupiniquim. Quem me dera um novo Caramuru para botar medo nesses párias da Terra Se Santa Cruz...

A Mulher Madura

Affonso Romano de Sant'Anna


O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

(15.9.85)



Rosalie Vieira de Araújo
Cell: 1 510 374.0346

sábado, 7 de julho de 2012

PRETINHO BÁSICO

 trabalho de Lair Bernardoni
 
Um pretinho de malha leve, meio da canela, meia manga e pequeno decote, é o máximo do conforto para dias como hoje, no sul: nem quente nem frio, sem sol, catorze horas, domingo, um almoço em boa churrascaria, que coisa boa!
Nesses dias feriados e finais de semana, não tenho ao meu lado, meu Anjo de Serviços e de Guarda Terrena _ e o do Céu não está nem aí para a forma como me visto ou me arrumo, pois que sua missão é mais celestial.
O Anjo daqui da terra me auxilia em tudo, faz minhas refeições ligeiras, limpa minha casa, e olha pra mim antes que eu saia, o que me permite mais folga do espelho, o que também é bom, já que não tem muito o que arrumar....
Mas hoje é domingo e fui vestir-me para o almoço. Não sei por que, coloquei o tal vestido pelo avesso!
Algo de errado aconteceu: ou o vestido foi lavado e passado pelo avesso e meu Anjo terreno guardou-o assim mesmo, na pressa e eu nem dei pela coisa.
A gente vai envelhecendo e perdendo a vaidade de horas e horas na frente do espelho da porta do guarda-roupa, analisando detalhes do visual.
 E vesti o vestido pretinho pelo avesso! Cuidei para colocar um pequeno brinco de pérolas e um colarzinho ídem, o relógio de sempre, organizei a bolsa de domingo, óculos, um lencinho sempre necessário, dinheiro pouco, cartões, celular. Um leve toque de 4711, uma escovada nos cabelos curtos, um batonzinho cor de boca e estou pronta!
À espera de minha filha na varanda, a minha cachorra Dana, que ficaria solta no jardim, veio brincar e pedir meus afagos de sempre. Baixei-me para acariciá-la e quando ela colocou a pata sobre meus joelhos, a surpresa: a barra do vestido, pelo avesso, me chamou a atenção.
 Ou foi a Dana, preocupada com o vexame que iria  passar se minha filha, já dentro do carro, não notasse essa "novidade" em mim? Alguém teria de me alertar, e por que não ela, minha labrador esperta e inteligente? Ela, com a brincadeira de despedida, livrou-me do fiasco por não ter em casa, nos finais de semana, alguém para me olhar e dizer: "Você está linda, mas  seu vestido está pelo avesso, queridinha!
Desvirei o vestido, recomecei a arrumação e me atrasei para o almoço.
 Mas fui, antes que chegasse esta frente fria.

        .

sexta-feira, 6 de julho de 2012

O MERCADO MUNICIPAL



                                O prédio do Mercado Municipal foi derrubado e substituído pelo atual, uma imitação de estilo enxaimel, pelo qual tenho lá uma certa má vontade.

Não posso, no entanto, negar que ir ao Mercado é sempre um acontecimento para mim.

Aquela confusão de gente entrando e saindo, comprando e carregando, falando, discutindo o preço disso ou daquilo, sempre me causa comoção, uma certa ternura, vontade de conversar com alguém do meio, ouvir suas histórias, suas reclamações, enfim, viver seus casos, seus fatos, saber do dia-a-dia deles.

Sexta à tarde fui lá.

 Precisava de um pouco de tudo que só lá se encontra do bom e do melhor, e senti logo que a casa estava cheia: o estacionamento pedia tempo, esperei uns dez minutos por uma vaga ao lado do pobre Rio Cachoeira que se escondia de vergonha debaixo da ponte, até que alguém saiu e me acomodei num cantinho. Açougue novo, senti falta do Sr Lalinho, e fui olhar a beleza dos badejos, ver se tinha robalo para o almoço de sábado.  Comprei depois de reclamar do preço, achei que o camarão estava muito sofrido, desmanchado e não comprei. Disse ao Gilmar que voltaria na próxima semana para ver se, com a chegada do sol, o camarão ficava mais bonito.

 Fui adiante, a minha barraca de verduras estava desativada. Alguma coisa aconteceu com a turma do repolho, da couve-flor, do tomate e das minhas frutas preferidas. Teria sido a chuva intensa? Mas não vamos falar disso!

Mais uns passos e entrei na banca dos grãos.

Sempre cheia, peguei minha senha – ali não tem essa de idoso, o negócio é esperar sua vez e pronto. Ao meu lado, alguém comprava o que eu chamo de milho picadinho. Querendo conversa, perguntei se ele estava comprando comida para passarinho. Ele, sorrindo, respondeu: Para os passarinhos e para mim. Eu ri, dizendo que ia comprar grãos para meus pássaros da natureza e ele completou: Separe um pouquinho, deixe de molho de um dia para o outro, depois cozinhe com sal, cheiro verde e alho, faça um bom prato com costeletas de porco fritas e a senhora nunca mais vai comer nada igual!

No dia seguinte, estava almoçando a receita do meu novo amigo do Mercado Municipal.

Seu nome, Simão Pedro!