quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

TAPAR O SOL

Ferreira Gullar e um dos meus poetas favoritos. Aqui, ele não faz poesia, faz uma constatação sobre o comportamento de Lula, a quem julga " capaz de influir nos destinos do País."  Por isso, acho uma boa leitura esta sua crônica e por isso mesmo, a transcrevo aqui.
Mila Ramos


 
 
Por FERREIRA GULLAR

“O julgamento do STF realiza-se à vista de milhões de telespectadores. Não é uma conspiração”

GOSTARIA DE deixar claro que não tenho nada de pessoal contra o ex-presidente Lula, nem nenhum compromisso partidário, eleitoral ou ideológico com ninguém. Digo isso porque, nesta coluna, tenho emitido, com alguma frequência, opiniões críticas sobre a atuação do referido político, o que poderia levar o leitor àquela suposição.

Não resta dúvida de que tenho sérias restrições ao seu comportamento e especificamente a certas declarações que emite, sem qualquer compromisso com a verdade dos fatos. E, se o faço, é porque o tenho como um líder político importante, capaz de influir no destino do país. Noutras palavras, o que ele diz e faz, pela influência de que desfruta, importa a todos nós.

E a propósito disso é que me surpreende a facilidade com que faz afirmações que só atendem a sua conveniência, mas sem qualquer compromisso com a verdade. É certo que o faz sabendo que não enganará as pessoas bem informadas, mas sim aquelas que creem cegamente no que ele diga, seja o que for.

Exemplo disso foi a entrevista que deu a um repórter do “New York Times”, quando voltou a afirmar que o mensalão é apenas uma invenção de seus adversários políticos. E vejam bem, ele fez tal afirmação quando o Supremo Tribunal Federal já julgava os acusados nesse processo e já havia condenado vários deles. Afirmar o que afirmou em tais circunstâncias mostra o seu total descompromisso com a verdade e total desrespeito com às instituições do Estado brasileiro.

Pode alguém admitir que a mais alta corte de Justiça do país aceitaria, como procedentes, acusações que fossem meras invenções de políticos e jornalistas irresponsáveis?

E mais: os ministros do STF passaram sete anos analisando os autos desse processo, tempo mais que suficiente para avaliá-lo. Afirmar, como faz Lula, que tudo aquilo é mera invenção equivale a dizer, implicitamente, que os ministros do STF são coniventes com uma grande farsa.

Mas o descompromisso de Lula com os fatos parece não ter limites. Para levar o entrevistador do “NYT” a crer na sua versão, disse que não precisava comprar votos, pois, ao assumir a Presidência, contava com a maioria dos deputados federais.

Não contava. Os verdadeiros dados são os seguintes: o PT elegera 91 deputados; o PSB, 24,; o PL, 26, o PC do B, 12, num total de 153 deputados. Mesmo com os eleitos por partidos menores, cuja adesão negociava, não alcançava a metade mais um dos membros da Câmara Federal.

Cabe observar que ele não disse ao jornalista norte-americano que não comprou os deputados porque seria indigno fazê-lo. Disse que não os comprou porque tinha maioria, ou seja, não necessitava comprá-los. Pode-se deduzir, então, que, como na verdade necessitava, os comprou. Não há que se surpreender, Lula é isso mesmo. Sempre o foi, desde sua militância no sindicato. Para ele, não há valores: vale o que o levar ao poder ou o mantiver nele.

Sucede que, apesar do que diga, ninguém mais duvida de que houve o mensalão. Pior ainda, corre por aí que o Marcos Valério está disposto a pôr a boca no mundo e contar que o verdadeiro chefe da patranha era o Lula mesmo, como, aliás, sempre esteve evidente. E já o procurador-geral da República declarou que, se os dados se confirmarem, o processará. É nessas horas que o Lula falastrão se cala e desaparece. Às vezes, chama Dilma para defendê-lo.

Desta vez, chamou o Rui Falcão, presidente do PT, para articular o apoio dos líderes da base política do governo. Disso resultou um documento desastroso, que chega ao ponto de acusar o Supremo de perpetrar um golpe de Estado contra a democracia, equivalente aos golpes que derrubaram Vargas e João Goulart. Pode? Vargas e Goulart, como se sabe, foram depostos pela extrema direita com o apoio de militares golpistas.

O julgamento do STF realiza-se às claras, à vista de milhões de telespectadores. Não é uma conspiração. Ele desempenha as funções que a Constituição lhe atribui. E que golpe é esse contra um político que não está no poder?

O tal manifesto só causou constrangimento. O governador Eduardo Campos, de Pernambuco, deu a entender que foi forçado a assiná-lo, após rejeitar três versões dele. Enfim, mais um vexame. Só que Lula, nessas horas, não aparece. Manda alguém fazer por ele, seja um manifesto, seja um mensalão.



quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A ARTE DE SER EX




Roberto Pompeu de Toledo se superou.
Aliás, o autor superou todos aqueles que escreveram sobre o assunto.
Parabéns e obrigada pelo excelente artigo.
Mila Ramos



Artigo publicado na edição de VEJA que está nas bancas
Roberto Pompeu de Toledo
A ARTE DE SER “EX”
A renúncia de Bento XVI trará a novidade da figura de um ex-papa em nosso mundo. Até a expressão soa estranha. Fazem parte da vida contemporânea ex-presidentes, ex-primeiros-ministros e até ex-reis (como tantos destronados ao redor do planeta ou como Edward VIII, que abdicou do trono britânico para se casar com a plebeia Wallis Simpson).
A partir de 30 de abril, data para a qual a rainha Beatrix da Holanda programou sua abdicação em favor do filho, teremos mais um caso. Para encontrar um ex-papa, no entanto, só retrocedendo aos confins da Antiguidade ou da Idade Média. Ex-papas não fazem parte do repertório dos nascidos nos últimos muitos séculos.
Perguntas que se impõem: que faz um ex-papa? Conseguirá ele “desencarnar” do cargo? Sentirá saudade do tempo em que reinou? Quererá influenciar o governo do sucessor? Abrigará o secreto (ou nem tão secreto) desejo de voltar ao posto?
Bento XVI de início se encaminhará, como prometeu, a uma vida de recolhimento. Os “ex”, mesmo os mais poderosos, sempre começam a nova etapa com a determinação de afastar-se o mais possível dos encargos, pompas e atributos da antiga função.
Imaginemos, no entanto, como exercício de ficção, que, não tarde muito, ele se entedie da nova vida. Resolve então fundar um instituto. Dá-lhe o nome de Instituto Bento XVI e nele montará um escritório, no qual se ocupará de uma densa agenda: audiências a bispos e cardeais, bem como a leigos de diversa extração (até mesmo chefes de estado); publicação de folhetos sobre as excelências de sua administração; organização de seminários sobre os rumos da Igreja e a sorte dos povos.
As audiências por vezes serão a pessoas com interesses em favores da burocracia vaticana, o que alimentará o rumor de que o “ex” continua a exercer direta influência nos rumos da instituição. Outras vezes, serão a ocupantes de altas funções no novo pontificado, os equivalentes a ministros num governo nacional, e aí será pior: dará a impressão de que a fidelidade professada por tais auxiliares ao “ex” é maior do que a devida ao atual ocupante do cargo.
Bento XVI não se abalará. Suas atividades tomarão ritmo cada vez mais intenso, e às audiências ele acrescentará as conferências, as aparições públicas, o comparecimento a cerimônias oficiais.
Situação mais equívoca ocorrerá se o conclave consagrar um candidato de currículo pobre e pouco peso político, eleito graças ao aberto empenho do antecessor. Dirão que Bento XVI foi capaz de eleger “um poste”, o que não desagradará ao renunciante — muito pelo contrário — e aumentará seu prestígio sobre uma cada vez mais extensa base aliada de cardeais, bispos e párocos.
A certa altura o ex-papa sentirá saudade das viagens do período do pontificado, e quererá realizar “caravanas” ao redor do mundo para manter a chama de seu legado e a continuidade da luta em favor da Igreja e da felicidade dos povos.
Percorrerá então as diversas dioceses, da Europa à Oceania, da Ásia às Américas, reunindo-se nas diferentes escalas com autoridades religiosas e civis e, em cada local, rezando missas campais e falando à massa de povo. Mais do que nunca, vai-se falar de governo paralelo. O sucessor se sentirá secretamente constrangido, mas afinal é o poste, e jurará sempre que Bento XVI só ajuda, com sua experiência e sua sabedoria.
Estará sempre na pauta a possibilidade de o ex-papa voltar ao cargo. Não se trata de especulação sem sentido, dada a desenvoltura com que se lança, seja a negociações de bastidores, seja a atividades públicas.
Pode um renunciante aspirar a uma reeleição? Os doutos escarafuncham o direito canônico e concluem que nada o impede. Bento XVI insiste e repete que seu exclusivo propósito é garantir um bom governo ao sucessor, isso e nada mais, mas nunca afasta com todas as letras a possibilidade de voltar.
Ela fica no ar, o que muito o satisfaz; é um modo de conservá-lo no jogo, e conservar-se no jogo é o objetivo que a cada dia, desde a primeira missa, na madrugada, até a última oração da noite, dá sentido e alento a seus dias.
O leitor sabe que a ficção aqui apresentada não tem nada a ver com o que se conhece e o que se espera de Bento XVI. Ele se retirará do mundo e será um ex-papa tão inativo quanto um papa morto.
Mas tem tudo a ver com a arte de ser “ex”. Alguns conseguem, outros não.

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