Raquel
S.Thiago
Historiadora
O início de um novo mandato político
sempre traz apreensões para professores, artistas, compositores, poetas,
enfim ao pessoal ligado à Cultura e à
Educação em virtude da recorrente tentativa de unir uma à outra na mesma secretaria . Os
problemas advindos deste equívoco são
flagrantes para quem é da área, mas geralmente passa batido uma vez que, de
acordo com o senso comum , cultura e educação significam a mesma coisa. As instiuições Cultura
e Educação são complementares mas se
forem analisadas com cuidado permitirão que vejamos com clareza as fronteiras
que definem os espaços de uma e de outra
.
A educação é uma atividade normativa , o
meio pelo qual aprende-se os saberes tradicionais já consagrados na sociedade . Nos estabelecimentos escolares de ensino fundamental e médio aprende-se a conviver não apenas socialmente,
mas aprende-se também a aceitar o outro, o diferente , a argumentar sobre os
pró ou contra em determinadas questões . Na escola aprendemos as primeiras
noções de conhecimento produzido pela humanidade além dos princípios de cidadania , preparando-nos para a vida em sociedade . O ensino, portanto
é normativo , sempre de acordo com os padrões morais , políticos e sociais vigentes , onde nem sempre as transgressões sociais necessárias às
mudanças são bem vindas .
Para
alguns teóricos da educação, a escola é um ambiente de transformação e a
educação deve ser essencialmente transformadora
, mas devido à natureza da escola estabelecida pelo Estado isto ainda
não foi possível , a não ser nas universidades, no interior das quais as ideias fermentam
.
Já
a cultura constitui em si o veículo primordial da transformação, da transgressão que a
sociedade necessita para avançar. Não é
fácil discernir com sucesso sobre o conceito de cultura , tantas são as
discussões e trabalhos publicados sobre este complicado assunto . A antropologia deu novo significado à
palavra cultura , ao observar que os modos de pensar, agir e sentir, bem como
todas as formas singulares de expressão, típicas de um determinado conjunto
humano constituem sua cultura , como por exemplo a pintura, as danças, as brincadeiras
infantis, os hábitos de comemorar certas datas, a comida ... .Mas eu acrescentaria
que além disso a cultura está ligada ao livre jogo da imaginação, do prazer
desinteressado, da mudança . Esta promove outro tipo de vigência dentro do aparato
normativo , o que eu traduzo aqui por transgressão , reacendendo o espírito crítico,
a contestação que não ocorre somente na
áreas artísticas específicas mas que estão presentes no todo da vida
contemporânea.
O que
seria do mundo hoje não fora a transgressão? Estaríamos, certamente na
pré-história. E se a Santa Inquisição não tivesse acabado? Quantos séculos ainda
teríamos que esperar pelas descobertas de Copérnico? O sofrimento de Darwin é o resultado da sua
transgressão, assim como a filosofia transgride ao apresentar novas visões de
mundo e diferentes leituras do Ser e do Existir. Hoje Sócrates , acusado de
subverter o pensamento dos jovens que o seguiam com entusiasmo , é estudado nas
escolas . O “conhece-te a ti mesmo” está
na moda, principalmente nos livros de
auto ajuda. Mas é bom lembrar do que aconteceu com ele na Grécia Antiga. O
teatro , por sua vez, é o veículo
transgressor de maior eficácia para a sociedade falar de si mesma,
autocriticar-se e crescer . Não sem razão, entre as artes, o teatro é a maior vítima dos
governos autoritários.
Pois
bem: voltemos à dicotomia educação e
cultura. A escola é a guardiã da disciplina e da ordem , da segurança . Sua missão é transmitir os conhecimentos muitas
vezes produzidos pela transgressão que não se restringe ao
âmbito cultural mas, como afirmei acima , à totalidade dos fazeres na sociedade
mas então incorporados à ordem vigente. Um exemplo
é a “pixação” que ao disciplinar-se
transformou-se em arte, a arte do grafiti .
Daí,
então, meu pensamento e de muitos colegas , que a gestão da cultura deva ficar separada da
gestão da educação para que se evite graves equívocos nas políticas a serem
definidas , colocando-se cada diretriz no seu devido lugar.
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