Hilda Lucas (publicado na LOLA de abril)
É mais ou menos
assim: um dia você acorda quadrada, ou talvez, ballonnée, ou pior, com jeito de
matrona!
A menopausa não é
colega – ouvi de uma mulher numa sala de espera de dermatologista. Estávamos as
duas com os rostos inchados e chamuscados por lasers e peelings, folheando
perversas revistas de moda e frivolidades, onde todos são jovens e felizes,
depositando míseras gotículas de esperança nos raios que nos partem daqueles
aparelhos de última geração. Balancei a cabeça como uma vaca no matadouro e, sem
pestanejar, movida pela absoluta cumplicidade daquele instante, falei para a
minha colega: A menopausa é uma filha da mãe, isso sim! Caímos na maior
gargalhada e assim ela se tornou a minha primeira amiga de
menopausa.
A menopausa é um
sequestro. Uma versão, só para mulheres, de praga bíblica. Inferno astral que
antecede a terceira idade. É tragicômica, portanto, para encarar, só
rindo.
Um dia você está no
meio da sua normalidade, é arrancada de tudo que você tem como referência física
de si mesma e é lançada a uma espécie de funilaria às avessas. A libido diminui
na mesma proporção em que aumenta a irritabilidade. Você não só não pensa tanto,
nem gosta tanto, nem se importa tanto mais com sexo, como para compensar vira
uma criatura instável, pavio curto, sem paciência para nada, capaz de discutir
com poste, de deprimir à toa, ter crise de choro com anúncio de seguradora e
ataques de ansiedade ao ler o jornal. Enfim, você vira uma pessoa bem
complicada, ou melhor, complexa. E, até então, você achava que TPM era o pior
que podia acontecer...
Os sintomas aparecem
inadvertidamente, como assaltantes, em maior ou menor intensidade, bizarros e
infalíveis. Lá estão eles: ressecamento - escolha onde e você terá; celulite - a
pele de pêssego é substituída pela casca de laranja; flacidez - e a triste
irrevogabilidade da lei da gravidade; manchas senis - essas pelo menos trazem o
consolo dos muitos verões bem vividos; insônia - e com ela balanços complicados
da vida; calores - esses são um requinte de crueldade, tão desprovidos de
sentido que nos fazem refletir sobre a transcendência da agonia dos ovos
cozidos; esquecimentos – sua memória vira uma espécie de vácuo e você passa por
constrangimentos inenarráveis como aquela frase típica : “sabe aquele filme,
daquele diretor, com aquela atriz , como é mesmo o nome?”; ossos de papel - e o
perigo de tombos ridículos resultarem em cirurgias espetaculares onde pinos e
próteses são implantados sem cerimônia; cabelos ralinhos de palha de milho - a
sua trança de potranca virou um tererê; cintura - convexa ou quase inexistente
com direito àqueles dois afundadinhos nas costas, como se você fosse feita de
massinha de modelar; olhar - embaçado por uma nata azulada (catarata, não!!!)
toldado por pálpebras fofas, generosas - e você começa a achar que tem
ascendência mongol; juntas sacanas - com data de validade vencida e, como se não
bastasse, a lembrança recente, acachapante, perturbadora e descompassada de como
você era antes da menopausa. Você era jovem ontem! Que dó, que
desperdício!
Esse é o ponto
crucial: o estranhamento entre o que vemos e a nossa imagem interna. Não se
trata de negação da velhice, da morte. Não. É bem mais simples e raso: você
simplesmente não gosta do que vê! Trata-se de uma incapacidade temporária para
sobrepor imagens, aceitar limitações, apurar um outro olhar.
Você ainda não tem
parâmetros para entender em que você está se transformando. Você resiste
bravamente. Convoca uma legião de especialistas, as forças do Bem, o exército da
salvação. Faz reposição hormonal, contrata um personal, dá uma passada na sex
shop, engole quilos de soja, linhaça e suco de cramberry, toma antidepressivo,
Ômega 3, aplica botox, faz drenagem linfática, vai ao plástico, ao
dermatologista, ao ortomolecular, à nutricionista, ao psicanalista, ao
astrólogo, à fisioterapeuta e ouve o seu ginecologista como se ele fosse o
oráculo de Delfos. Seus modelos e referências estão no passado e a menopausa -
trombeta apocalíptica - anuncia um futuro onde você vai ter de mostrar que
aprendeu as lições, mereceu cada ruga e está pronta para mais trinta anos.
A menopausa é uma
puberdade invertida. E, como tal, é também casulo , travessia, transformação.
Divisor de águas, experiência de deserto, freio de arrumação, faxina. Teste
crucial de espírito esportivo, capacidade de adaptação e instinto de
sobrevivência. Passa. Demora, mas passa, e você sobrevive, como sobreviveu à
pororoca hormonal da adolescência; você há de superar o declínio daqueles mesmos
hormônios e seus asseclas que um dia já te enlouqueceram. (Esqueceu que você
sobreviveu, com muito menos recursos, às cólicas, às espinhas, aos pelos
encravados, aos ovários policísticos, à vergonha do próprio corpo, à oscilação
de humor e à melancolia dos anos tenebrosos da adolescência?).
E aí, passada a
tempestade, vem a bonança, a libertação. Você estará livre de ter que ser
bonita, magra, eficiente, querida, desejável, vencedora, fértil, competitiva,
invejada, elegante, gostosa, informada, culta, legal, conectada, tudo ao mesmo
tempo. Ufa!!!! Depois dos achaques, perrengues e mudanças, a menopausa inaugura
a maturidade: a síntese da mulher que você construiu ao longo dos anos, fases e
etapas, a essência que fica, depois que os papéis de jovem fêmea produtiva estão
cumpridos.
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A menopausa é um
tremendo rito de passagem. Talvez o último antes da definitiva passagem.
Inevitável e necessário. Coisa de gente grande. O relógio biológico é
inclemente, imparcial e, portanto, justo. Haja coragem e bom humor! Não há
negociação possível, apenas a vida seguindo seu curso.
Então, que venham os
ciclos, todos. Com seus sustos, sombras e transformações. Com suas libertações,
rearranjos e alegrias. Que venham os dias, as horas, as marés, as auroras,
todas.
Hilda
Lucas
São Paulo, 24 de
fevereiro de 2013
(FOTOS COLHIDAS NO GOOGLE)
(FOTOS COLHIDAS NO GOOGLE)
É uma fase difícil, sim, mas buscando conhecimentos daqui e dali, desfazendo tabus e libertando de muitos pesos, tudo vai bem. Muitos se foram jovens e não tiveram a chance de viver essas transformações. Então, vamos render graças!!!
ResponderExcluirMila, que a primavera chegue trazendo muitas flores e alegrias!!! Abraços!
Sonia Salim