Mila Ramos
Tudo igual todos os anos.
Nem tudo tão igual!
Uma coisa deixou de ser igual para quem visita o cemitério no dia 2 de
novembro de todos os anos: as flores.
Houve um tempo em que a gente plantava lírios brancos em
maio para que estivessem floridos em novembro.
As baixadas dos terrenos, no nosso jardim, a parte mais
úmida, era o lugar em que os copos de leite abriam viçosos esperando as colheitas
do dia dos mortos.
As roseiras brancas, aquelas de pencas, esperavam o corte
para os vasos menores dos túmulos, à espera dos enfeites cheios de vida.
Havia bambu de salão, uma trepadeira verde que nunca florescia,
mas dava um toque de amplidão nos vasos imensos, e ele também estava ali.
Muita gente que não tinha como cultivar as flores brancas em
seus canteiros , zelava pelas flores que tinha, fossem lá da cor que
fossem, mas eram guardadas para o cemitério no dia de seus mortos: eram hibiscos,
rosinhas cor-de-rosa, azaléias,cravos, amor-perfeito, violetas, margaridas, onze-horas ou
qualquer outra florzinha que vicejasse naquela época.
Mas haveria flor, qualquer que fosse, e o cemitério
revivia em cor, perfume, gente.
Havia velas queimando cercadas por pequenas barreiras
improvisadas para que o vento não apagasse a luz que queríamos ver iluminando
as almas de nossas saudades.
Hoje, não mais.
Hoje, a gente passa numa loja de flores, compra um vaso
feito aos milhares e espalhados pelo Brasil todo, em grandes caminhões. Quem plantou , não interessa. Interessa que a
gente compra e leva para nossos mortos.
Isso, quando é flor plantada em semente e que desabrochava perto
do mês de novembro, e não aquela fabricada na China, feita de plástico de má
qualidade e pintada de cor berrante e de forma estranha, que não nos lembra
flor nenhuma.
Aos milhares.
Nossos cemitérios ficam
infestados de cores estranhas como num festival de mau gosto.
É.
Porque agora, não podemos deixar vasos com água no
cemitério.
Dá mosquito, dá
epidemia de febres e doenças que a gente nem conhece e que também vêm de longe,
como as flores de plástico que compramos para ornar nossos mortos.
Antigamente, não dava
mosquito nem febre.
Agora dá.
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