quarta-feira, 2 de outubro de 2013

SABIÁ LARANJEIRA

Donald Malschitzky



O canto que é uma oração!
No meio do sono, um leve incômodo. Acorda; um martelo bate insistente em seus ouvidos. Ignora-o e vira para o outro lado. Não tem jeito, continua, e forte. Pega outro travesseiro e tapa a orelha. Diminui, mas agora a lembrança o faz prestar atenção. Não há forma de dormir. Cobre a cabeça com o cobertor para ajudar o efeito do travesseiro. O som fica mais distante. Distante, mas audível! Maldito! Agita-se qual máquina de lavar roupa, senta, deita novamente, tapa as orelhas com as mãos, pensa em gritar; agora é que a coisa tornou-se insuportável. Levanta, demora uma eternidade no banho, faz café, liga a TV, aumenta o volume, come e olha a hora: passa um pouco das seis. O primeiro avião passa rente a seu prédio, ouve algumas buzinas e roncos de motores.




A balbúrdia na rua aumenta e chega forte; os aviões parecem fazer fila com suas turbinas barulhentas. Toma uma decisão: não trabalhará pela manhã; vai recuperar o sono da madrugada. Deita novamente e deleita-se com a confusão de sons que invade seu quarto. Alvíssaras (nunca usara esta palavra, mas foi a primeira que lhe veio à mente), o sabiá parou de cantar! O assobio agudo de uma sirene é a última coisa que ouve antes de cair num sono profundo e reparador.

Saiu na Folha de São Paulo: moradores estão a reclamar do canto dos sabiás-laranjeiras que, apesar das escassas árvores, povoam a maior cidade do país e enchem as madrugadas de melodias. O "barulho" não os deixa dormir!

Que mutações sofreu o "homo urbanus"? O que acontece com a "civilização"? Onde nos metemos? A face mais negra do progresso virou canção de ninar e a canção da continuidade da vida ficou insuportável? Da primeira pedra usada como ferramenta por nossos ancestrais há mais de três milhões de anos até o "homo computatrum" de hoje, evoluímos tanto que o som da natureza nos incomoda?

O sabiá-laranjeira canta para ensinar seus filhotes a cantar, e o faz a, no máximo, cinco metros do ninho e enquanto está escuro, para evitar que predadores matem os filhotes. Uma canção de proteger. O nome do pássaro vem do tupi, "aquele que reza muito", e uma lenda indígena diz que quando uma criança ouve o canto de um sabiá-laranjeira, é abençoada com amor, felicidade e paz.

Mas existe gente que prefere a paz infernal dos amontoados urbanos, e não suporta melodias.
http://www.youtube.com/watch?v=osO5pc9veF8&feature=player_detailpage

(URL copiada dop Google)

Nenhum comentário:

Postar um comentário