terça-feira, 4 de março de 2014

DE BURCAS E CLARINETES

Meu amigo Donald buscando temas inquietos, bem ao seu feitio.
Por isso tanto te admiro.
Mila


                                                            

Donald Malschitzky
    A capacidade que os homens têm de deturpar os textos ditos sagrados é infinita; basta olhar as regras das confissões religiosas. É fácil encontrar regras e ditos que se contradizem, até dentro da mesma confissão, e, entre diferentes confissões, elas são quase incontáveis: imagens, sábado, comida, bebida, cabelos, roupas, comportamento são apenas uma pequena mostra dessa parafernália. A maioria é resultado de interpretação tendenciosa ou até de traduções mal feitas e um tanto de falta de conhecimento de história, filosofia, sociologia e antropologia.
    Mulheres estão entre as vítimas preferidas dessas deturpações, e esse entendimento permeou e permeia as civilizações a ponto de, ainda hoje, mesmo nas sociedades mais modernas, a igualdade de tratamento, embora garantida por lei, não ser garantia nem de salários iguais.
    Século 21 e ainda usam burcas! O que começou como símbolo de certa sublimação da mulher transformou-se numa enorme afronta à dignidade. A burca vem do véu, já adotado em antigas civilizações para dignificar a mulher. As mulheres judias o adotaram e Maomé, para dar um status de igualdade para as muçulmanas, também o prescreveu. O machismo e o radicalismo conseguiram metamorfoseá-lo em símbolo de submissão feminina e, à medida que a submissão  e o anonimato viravam condição da mulher, foi aumentando de tamanho até chegar à imensa máscara negra que cobre todo corpo, deixando apenas os olhos aparecendo. Que anseios se escondem dentro de uma burca? Que sonhos e desejos?
    A Banda Treml, de São Bento do Sul,  possivelmente a mais autêntica banda germânica no Brasil, estava perto de seu centenário e só havia lugar para músicos homens. “Sempre foi assim”, certo machismo e  o ciúme das mulheres dos músicos ditavam as regras.  Até o dia em que Dilma Treml – hoje, Treml Neumann -, assistindo a Banda durante a Schlachtfest – tradicional festa germânica no município - de 1996, atendeu ao convite do maestro Pedro Bitencourt e, com seu clarinete, foi tocar com a Banda.
    No dizer da própria Dilma, “alguma coisa se quebrou...”. Mesmo com dificuldade no início, foi aceita  e assim abriu caminho para várias mulheres que hoje colorem a Banda, sem que ela perdesse um pingo de sua essência.
    Tocando clarinete, arrancou burcas com seus acordes.   

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