Em1980,
durante o último período da ditadura militar em nosso país, o poeta Affonso
Romano de Sant’Anna publicou um poema intitulado Que país é
este? pergunta repetida no início de cada estrofe para questionar
todas as nossas contradições de então. Trinta e cinco anos depois da divulgação
daquele poema, paradoxal e inexplicavelmente a mesma pergunta foi proferida, com
arrogância, por um dos empreiteiros acusados de corrupção no processo da
Petrobras.
Mas
apesar da gravidade da crise por que passa o Brasil, apesar de todos os
desmandos, incongruências e contradições de políticos e do próprio governo, a
pergunta que de repente se impõe agora a mim é mais ampla, muito mais abrangente
e diz respeito à humanidade inteira: Que mundo é este?
Que
mundo é este que possui mais de 500 Organizações Internacionais e não é capaz de
enfrentar a barbárie do grupo terrorista jihadista, que se auto-intitula Estado
Islâmico, e mata e degola inocentes para afirmar o seu poder? Que mundo é este
que não trata de minorar o sofrimento de 650 milhões de pessoas que não têm o
que comer? Que mundo é este que não consegue evitar a morte de centenas de civis
encurralados e bombardeados em tantas zonas de conflitos intermináveis como os
da Síria e do Iraque? Que mundo é este que não se reúne e unifica para combater
e punir os “traficantes de carne humana”, como os chamou o Papa Francisco, os
responsáveis pela morte de mais de 2000 fugitivos, na travessia desesperada do
oceano diante da Itália, em busca de refúgio na Europa? Que mundo é este que não
se sensibiliza diante da tragédia daqueles desabrigados sem recursos e sem
destino?
A ONU
foi criada em 1945: “para garantir a paz entre os povos” e a União Européia, em
1946: “para assegurar que a insanidade das guerras não mais se repetiria”. E a
Declaração Universal dos Direitos Humanos é de 1948! Mas já tivemos 40 anos de
guerra fria e os conflitos e as guerras localizadas jamais deixaram de existir.
Neste hemisfério, em que temos, entre outras, a OEA e o Mercosul, não haveria
espaço de sobra para acolhermos os infelizes africanos, que se veem obrigados a
fugir de seus países conflagrados?
Neste
mundo onde parece mais interessante discutir o crescimento do mercado, ou o do
PIB e o da inflação, as altas e as quedas das Bolsas, as dívidas financeiras e
os ajustes fiscais, o dinheiro e o lucro tem sido mais importantes do que o
destino dos seres humanos. Tudo o que diz respeito ao “comportamento” da
Economia e seu crescimento desperta maior interesse do que a saúde e o
bem-estar das pessoas, ou a educação e a proteção das crianças, ou a orientação
dos jovens e o cuidado com os velhos, ou seja, os números e a competição
econômica preocupam mais do que o I D H – o Índice de Desenvolvimento
Humano.
Como
diz a escritora e ativista Riane Eisler, em seu magnífico livro The real
Wealth of Nations (A verdadeira Riqueza das Nações): “por mais estranho que
pareça, não basta focalizarmos apenas a economia para mudarmos os sistemas
econômicos.” A socióloga e historiadora da cultura propõe uma reinterpreção da
economia para dar visibilidade e valor ao trabalho humano que considera
essencial: o de importar-se com as pessoas e o planeta. Ela afirma que na nossa
época, a alta tecnologia guiada pelos valores da conquista, da exploração e da
dominação, ameaça a nossa própria sobrevivência. Porque o que precisamos é de
“invenções econômicas inspiradas na ética do cuidado.”
São
os seres humanos preocupados com os outros os mais importantes deste planeta.
Portanto, as ONGS também, que se multiplicam para compensar muitas das nossas
carências. Haverá algo mais essencial e necessário do que o trabalho dos Médicos
Sem Fronteiras? Ou o da velha e valorosa Cruz Vermelha?
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E por
falar em guerras, heróis e compensações, sempre me comoveu a generosidade dos
compositores Maurice Ravel e Sergei Prokofieff, que se apressaram em escrever
concertos de piano (para a mão esquerda e orquestra), verdadeiras obras-primas,
em homenagem ao pianista Paul Wittgenstein, que perdera o braço direito na
Primeira Guerra Mundial. Paul era irmão do filósofo Ludwig Wittgenstein e da
socialite vienense Margaret Stonborough-Wittgenstein, imortalizada num retrato
pintado por Gustav Klimt. E salvo erro, Benjamin Britten também escreveu na
intenção do pianista austríaco as suas Diversions para piano ( mão
esquerda ) e orquestra.
E no
cinema, um dos filmes que sempre me emociona é Hiroxima mon amour, um
clássico cujo roteiro, altamente poético, foi criado por Marguerite Duras e cuja
direção primorosa coube a Alain Resnais. O filme é um libelo contra a guerra,
especialmente contra o cruel e injustificável bombardeio de Hiroxima e, ao mesmo
tempo, uma ode à paz e ao amor possível entre diferentes – um arquiteto japonês
e uma atriz francesa. Na cena de abertura, vemos os corpos abraçados do casal de
atores que configuram o que Rabelais e Shakespeare chamaram de “animal com duas
costas”, aparentemente se deteriorando, cobertos de areia ou de cinzas. E o
filme todo se desenrola ora como documentário, ora como drama amoroso numa
demonstração do quanto a arte é capaz de nos revelar, melhor do que qualquer
tratado, as verdades profundas sobre nós mesmos e sobre o pesadelo da nossa
História.
Sim,
mais do que nunca, diante da assustadora crise humanitária provocada pela
tragédia dos refugiados, podemos repetir com James Joyce que a História é um
pesadelo do qual gostaríamos de despertar.
rio rio rio rio rio rio rio
******************************18.o6.2015
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