Mãe lá de casa
Eu estive fora um tempo.
Onde casei, tive filhos e após a separação fui ver como
que era a vida de homem recém-separado morando sozinho por alguns meses. Voltei
após quase doze anos pra casa de minha mãe para fazer companhia mesmo e não
deixá-la tão só. Já não sei quem ganhou mais com essa decisão.
Tenho quase certeza que o maior beneficiado tem sido
eu.
Quem me segue no twitter e perde um pouco do seu tempo
lendo o que me disponho a postar nos cento e quarenta caracteres por vez já deve
ter percebido que sou um tanto deslumbrado com a forma como minha mãe quase
octogenária (fará 80 anos daqui a dois meses) enxerga a vida. São dela alguns
comentários bem humorados e irônicos, que, volta e meia compartilho com quem me
segue naquela rede social.
Tem sido outro prazer que eu não conhecia tão bem
assistir a jogos com essa corintiana fanática conhecedora das mais difíceis
regras do jogo bretão. Impedimento por exemplo ela tira de letra, muitas vezes,
antecipando-se até mesmo aos comentaristas. Dia desses num lance marcado contra
o timão antes mesmo de o Arnaldo dar seu veredito, vendo no replay, dona Maria
disse com sua habitual ranzinzisse “só tá o Jorge Henrique e o goleiro, então só
pode ser a merda do impedimento!”.
São maravilhosas as suas frases feitas e desfeitas: para
uma pessoa de difícil índole, “pau torto se você tenta endireitar, quebra...”;
dando um conselho sobre um relacionamento, “se você adoça muito a pessoa ela
acaba salgando sua vida...”; ou falando sobre o tempo, “o céu escuro já não
mostra que vai chover, serve é pra enganar a moça da tevê...”. Sempre séria e
com um meio-sorriso a Maria Raposo tem uma frase definitiva pra qualquer coisa,
frases que muitas vezes a gente demora pra assimilar.
Ela nunca foi à escola e ultimamente reparamos nela uma
preocupação com o falar. Ela se esmera em falar corretamente, o que como minha
filha afirma a torna uma fofa. Mas para ela existe uma dificuldade a mais já que
ela possui a língua presa e por isso algumas palavras são para ela
impronunciáveis. “Pênalti”, por exemplo, vira aquele termo que designa uma parte
íntima masculina... Ela tenta falar o nome da loja de materiais para construção
onde tem conta e sai um “escorpel” que soa muito mais difícil do que o nome
original. Motivos para risadas e no caso do meu filho, gargalhadas. Fazê-la
falar certas palavras são para meus dois filhos motivo de festa. Coisas que ela
poderia considerar chacota e poderia até ser, mas não, ela sabe que essa
característica a torna uma vó diferente, divertida, única. E vó é mãe duas
vezes. Sinto que seus netos e bisnetos a renovam e fazem com que ela tenha mais
disposição para continuar encarando a vida com alto astral e continuar fazendo
com prazer um café novo e fresquinho a cada visita, a cada “passada” de um dos
filhos, dos parentes, amigos dos filhos e comadres.
Minha mãe é hoje uma referência para que eu perceba em
mim mesmo as falhas que eu não quero para o meu futuro.
Espelho-me nela para continuar a ter prazer nas pequenas
coisas como quando dia desses, ela me disse da felicidade que tem ao
simplesmente olhar a casa cheia de gente e poder pensar que simplesmente que se
todos aqueles estão ali é por causa dela.
Sim, esse pensamento é o que pode nos fazer bem sempre:
vou fazer o que for possível para que no futuro eu possa me orgulhar da minha
prole.
A mãe lá de casa disse que não quer essa “frescura” de
presente de dia das mães. Ela diz que esse negócio foi inventado para que todo
mundo “limpe a consciência”. Eu quase entendi o que ela quis dizer, mas nem vou
comentar... Domingo a gente vai fazer um almoço especial lá em casa, depois
compro um presente como quem não quer nada...
Marco
Antônio
Filho da dona Maria do Zé
Florentino
e-mail:
marcoemobras@yahoo.com.br
Um destaque meu para um bom texto de um bom filho.
Mila Ramos
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