Crônica de Hilton Gorresen
O autor escreve no Jornal Notícias do Dia.
O autor escreve no Jornal Notícias do Dia.
Sou um
carnavalesco de poltrona. Volta e meia, queira ou não queira, dou uma olhada no
colorido dos desfiles de escolas de samba e nos trios elétricos da Bahia. Hoje,
para participar do “carnaval brasileiro” a pessoa tem de enfrentar uma viagem e
lutar por um lugar no Sambódromo ou por um abadá em Salvador. De modo geral, o folião virou mero espectador, como qualquer
turista estrangeiro.
Os pierrôs e
colombinas, símbolos de nossa festa máxima pagã – embora com origem na “Commedia
dell’Arte” italiana – foram trocados pelas subcelebridades que se engalfinham
por um lugar de destaque nos desfiles, como se isso fosse a maior honraria que
se pode oferecer a uma pessoa.
O carnaval ganhou
em cores e harmonia, firmou-se como indústria de espetáculo, mas perdeu o
romantismo, junto com as divertidas marchinhas de Lamartine Babo e João de
Barro (e pérolas como Jardineira, Aurora, Pirata da perna de pau, General da
banda, Touradas em Madri...) e as belas marchas-rancho (As Pastorinhas, Bandeira
Branca, Rancho da Praça Onze e outras). O ritmo dolente embalando os exaustos
foliões na madrugada, enlaçados à bela colombina conquistada, amor de carnaval;
os mais sossegados, à mesa, curtindo a música no torpor gostoso da cerveja, o
ar impregnado de lança-perfume.
A marcha-rancho
foi criada na década de 1930 para acompanhar o ritmo dos ranchos, que nada mais
eram do que blocos populares, organizados em associações.
Provavelmente, a
partir deles foram criadas as primeiras escolas de samba. Para poder acompanhar
suas alegorias e por uma certa imposição do Estado Novo ditatorial de Getúlio
Vargas (pera aí, leitor, não sou desse tempo... sou apenas pesquisador),
introduziram o samba-enredo, uma espécie de epopeia popular, exaltando, desde
seu inicio, as maravilhas do país. Antes de se transformarem em atração
turística e indústria do carnaval, as escolas de samba tornaram-se, de certo
modo, instrumentos da ditadura.
Quem iria
imaginar que tal gênero musical subsistisse hoje, com letras descartáveis, prolixas
e vazias, que, como dizia o jornalista e compositor Sérgio Bittencourt, “não
moram no assobio do povo”.
Quem hoje se lembra das músicas que ritmaram os
desfiles nos últimos carnavais? Como contrapor certas “pérolas” extravagantes
cantadas no Sambódromo à beleza dos versos e à melodia empolgante de “Máscara
Negra”, a última marcha-rancho?
Não se pode negar
que o carnaval-indústria eclipsou o carnaval-romantismo.
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