segunda-feira, 10 de junho de 2013

EDUCAÇÃO & CULTURA


A capacidade de articulação e de expressão de Rachel S. Thiago transita muito bem nas áreas que aborda no presente artigo. Sua vasta experiência em ambos os campos - Educação e Cultura - experiências das quais sou testemunha por termos atuado juntas nesses setores, faz-me publicar o presente e importante artigo neste blog, um trabalho seu, entre muitos da autora.
E porque comungo do pensamento da autora no sentido aqui expresso por ela, sugiro sua leitura, aos amigos e mesmo às autoridades que, também a meu ver, erram quando juntam a administração das duas áreas como se uma fossem. .
Mila Ramos
 

 

Raquel S.Thiago 
Historiadora

 

        O início de um novo mandato político sempre traz apreensões para professores, artistas, compositores, poetas, enfim  ao pessoal ligado à Cultura e à Educação em virtude da recorrente tentativa de unir  uma à outra na mesma secretaria . Os problemas advindos deste equívoco  são flagrantes para quem é da área, mas geralmente passa batido uma vez que, de acordo com o senso comum , cultura e educação  significam a mesma coisa. As instiuições Cultura e Educação são complementares mas   se forem analisadas com cuidado permitirão que vejamos com clareza as fronteiras que definem  os espaços de uma e de outra .

       A educação é uma atividade normativa , o meio pelo qual aprende-se os saberes tradicionais  já consagrados  na sociedade .  Nos estabelecimentos  escolares de ensino fundamental e médio  aprende-se a conviver não apenas socialmente, mas aprende-se também a aceitar o outro, o diferente , a argumentar sobre os pró ou contra em determinadas questões . Na escola aprendemos as primeiras noções de conhecimento produzido pela humanidade além dos princípios de  cidadania , preparando-nos  para a vida em sociedade . O ensino, portanto é normativo , sempre de acordo com os padrões morais ,  políticos e sociais vigentes ,  onde nem sempre as  transgressões sociais necessárias às mudanças  são bem vindas .

   Para alguns teóricos da educação, a escola é um ambiente de transformação e a educação deve ser essencialmente  transformadora  , mas devido à natureza da escola estabelecida pelo Estado isto ainda não foi possível , a não ser nas universidades,  no interior das quais as ideias fermentam . 

 

Já a cultura constitui em si o veículo primordial da  transformação, da transgressão que a sociedade necessita para avançar.  Não é fácil discernir com sucesso sobre o conceito de cultura , tantas são as discussões e trabalhos publicados sobre este complicado assunto  . A antropologia deu novo significado à palavra cultura , ao observar que os modos de pensar, agir e sentir, bem como todas as formas singulares de expressão, típicas de um determinado conjunto humano constituem sua cultura , como por exemplo  a pintura, as danças, as brincadeiras infantis, os hábitos de comemorar certas datas, a comida ... .Mas eu acrescentaria que além disso a cultura está ligada ao livre jogo da imaginação, do prazer desinteressado,    da mudança . Esta promove  outro tipo de vigência dentro do aparato normativo , o que eu traduzo aqui por transgressão , reacendendo o espírito crítico, a contestação que  não ocorre somente na áreas artísticas específicas mas que estão presentes no todo da vida contemporânea.

 

     O que seria do mundo hoje não fora a transgressão? Estaríamos, certamente na pré-história. E se a Santa Inquisição não tivesse acabado? Quantos séculos ainda teríamos que esperar pelas descobertas de Copérnico?   O sofrimento de Darwin é o resultado da sua transgressão, assim como a filosofia transgride ao apresentar novas visões de mundo e diferentes leituras do Ser e do Existir. Hoje Sócrates , acusado de subverter o pensamento dos jovens que o seguiam com entusiasmo , é estudado nas escolas . O  “conhece-te a ti mesmo” está na moda, principalmente  nos livros de auto ajuda.  Mas é bom lembrar  do que aconteceu com ele na Grécia Antiga. O teatro , por sua vez,  é o veículo transgressor de maior eficácia para a sociedade falar de si mesma, autocriticar-se e crescer .   Não sem razão,  entre as artes, o teatro é a maior vítima dos governos autoritários.

Pois bem: voltemos à dicotomia  educação e cultura. A escola   é a guardiã  da disciplina e da ordem , da segurança .  Sua missão é transmitir os conhecimentos muitas vezes  produzidos  pela transgressão que não se restringe ao âmbito cultural mas, como afirmei acima , à totalidade dos fazeres na sociedade  mas então  incorporados à ordem vigente. Um exemplo é  a “pixação” que ao disciplinar-se transformou-se em arte, a arte do grafiti .

Daí, então, meu pensamento e de muitos colegas ,  que a gestão da cultura deva ficar separada da gestão da educação para que se evite graves equívocos nas políticas a serem definidas , colocando-se cada diretriz no seu devido lugar.

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