Donald Malschitzky
Por favor, veja a hora antes de começar a ler.
A facilidade, a rapidez e a instantaneidade da comunicação moderna deveriam ser o lado bom da "aldeia global", uma aldeia em que, conhecendo mais e melhor as condições de vida de cada pessoa, sua forma de pensar e acreditar, seus anseios e frustrações, sua história dentro da história de seu país e de sua família, nos tornássemos mais conscientes e muito mais solidários. Infelizmente, o ditado: "O que os olhos não veem, o coração não sente" ficou incompleto, pois os olhos, de tanto verem, extirparam o sentimento do coração. Contra qualquer tese filosófica, tornamo-nos brutos pela ação do conhecimento; quanto mais sabemos, menos nos sensibilizamos com a tristeza, menos abominamos a violência, menos nos mobilizamos contra a desgraça.
Sabemos de regiões e países inteiros com populações com carência tão grave de alimentos que a sobrevivência já se transformou em desafio de horas, apenas. Vemos imagens na Internet, nos jornais, nos noticiários, de crianças esqueléticas sendo devoradas por moscas. Já nada disso nos revolta. A repetição da informação parece criar uma catarata moral, uma blindagem na alma. Acreditando que nada podemos fazer, banalizamos o sofrimento e nada fazemos. Às vezes mudamos para imagens de desfiles onde moças, quase tão esqueléticas quanto aquelas crianças, desfilam para outras moscas, as alienadas pelo luxo e o culto das aparências. Escondida a desgraça, a vida – a nossa – prossegue.
Mais de um bilhão de pessoas passa fome – a maioria, crônica – no mundo, mas existe comida em abundância para todos; o que não existe é número suficiente de corações dignos para promover o ser humano. O que existe é uma busca mórbida pelo lucro e pelas facilidades, o que faz com que seja mais barato deixar estragar do que adotar processos mais eficazes em todas as fases, da produção à distribuição, a ponto de hoje, segundo a FAO, serem desperdiçadas 1,3 bilhão de toneladas de alimentos por ano. Quase a metade das frutas e vegetais é desperdiçada no processo de colheita, pós-colheita e embalagem.
Nenhum desses números fala do desperdício criminoso de comida nas casas, onde compra-se demais, cozinha-se demais e onde guardar para a próxima refeição ou, mesmo, preparar apenas o necessário são provas de mesquinhez. E as aparências, sabemos, importam muito.
Pronto, você terminou de ler. Quantos minutos levou? Multiplique por 20; você chegou ao número de pessoas que morreram de fome no mundo enquanto você lia esta crônica.
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